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27/07/2019

Golpes em aeroporto e ostentação fake nas redes: o histórico de ‘Vermelho’

Conhecido na cidade e Araraquara pelo apelido de Vermelho, ou “Vermeio”, pelo cabelo e a barba ruivos, Walter Delgatti Neto, 30 anos, um dos presos na Operação Spoofing, é comparado por pessoas próximas a Marcelo Nascimento da Rocha, o golpista que fingia ser herdeiro da Gol, interpretado por Wagner Moura no filme VIPs, e Frank Abagnale Jr., famoso golpista americano interpretado por Leonardo DiCaprio em Prenda-me se for Capaz.

Vermelho e o irmão, Wisllen Francisco Delgatti, o “Vermelhinho”, 28 anos, foram criados pela avó Otília, 82 anos, desde crianças, quando a mãe deles, Silvana, separou-se do pai, Valter, e se casou com outro homem. Vermelho e Vermelhinho não têm contato com a mãe. O pai de ambos morreu em novembro de 2018, aos 56 anos, de infarto.

Hoje famoso em todo o Brasil por ter hackeado figuras importantes da República, Vermelho já era figura notória nas delegacias de Polícia Civil de Araraquara por sua extensa ficha criminal. O rapaz soma seis processos na Justiça por crimes de estelionato, furto qualificado, apropriação indébita e tráfico de drogas, nos quais ele acumula duas condenações.

Pessoas próximas a Delgatti observam uma curiosidade: a dificuldade de encontrar algo em seu nome, uma vez que patrimônio como carros, casas e contratos de aluguel ficam sob propriedade, ao menos oficial, de outras pessoas, não raro do próprio irmão Wisllen. “Ele é o demônio”, “extremamente vaidoso, habilidoso e inteligente”, disse a VEJA um conhecido.

 

Segundo conhecidos, Delgatti gostava de ostentar — mas não tinha cacife para tanto. Os carros de luxo que dirigia eram, em sua maioria, veículos danificados por batidas. Todos arrematados de leilão ou diretamente comprados em oficinas. Conforme uma pessoa próxima, que o conhece há mais de quinze anos, Vermelho até fazia montagem de fotos de lugares onde não foi com o objetivo de se exibir e ganhar likes em redes sociais.

Walter Delgatti Neto tinha o costume de dar festas de arromba no apartamento onde morava em uma região nobre da cidade, próxima ao estádio da Fonte Luminosa, e se divertia esvaziando extintores de incêndio do condomínio, segundo um morador. VEJA questionou o irmão e a avó de Delgatti sobre a atividade exercida por ele para manter o padrão de vida, que incluía carros de luxo como BMW Z4, Hyundai Santa Fé e um Land Rover. Nenhum dos dois soube responder. A avó, Otília, disse que vive da aposentadoria como tecelã e de uma pensão.

Em maio de 2017, já dono de uma ficha corrida de acusações, Vermelho foi à delegacia registrar um boletim de ocorrência por difamação e calúnia contra dois colegas da faculdade de direito, lá de Araraquara. Segundo ele, os jovens estavam o chamando na sala de aula de “hacker que desvia contas de terceiros”. Procurada, a defesa atual de Delgatti não quis se pronunciar. 

Confira a coletânea de “sucessos” de Delgatti:

Acusação de estupro pela ex-cunhada

Foi acusado de estupro em março de 2015 pela então cunhada, que à época tinha 17 anos e morava com o irmão dele, Wisllen. Ela disse inicialmente que Vermelho mostrou fotos do irmão com outras mulheres e, em meio ao seu nervosismo, ofereceu-lhe um comprimido para se acalmar. A jovem tomou o medicamento e relatou ter ficado fora de si depois disso. Segundo a então adolescente, Walter fez sexo com ela sem preservativo e filmou a cena de violência sexual. Vermelho disse ter feito sexo consensual e admitiu ter filmado para mostrar o vídeo para Wisllen, com o intuito de provar que a jovem “dava em cima dele”. O irmão de Vermelho agrediu a namorada diante da exibição do conteúdo, mostrou o vídeo aos pais dela e ameaçou matá-la com uma tesoura. No mesmo dia que a polícia foi à casa de Delgatti cumprir um mandado de busca no âmbito dessa investigação, a garota foi à delegacia com o pai e disse que a relação sexual foi filmada sem o seu conhecimento — mas que havia mentido “algumas partes” do depoimento e isentou Vermelho do estupro. Ela negou ter sido pressionada, mas estava “preocupada e com pressa em mudar a versão dos fatos”, segundo o registro policial.

“Pessoa influente” e “amigos no fórum”

Quando a polícia foi à casa de Vermelho cumprir um mandado de busca na investigação sobre o suposto estupro, em abril de 2015, ele não atendeu à porta, que precisou ser arrombada. Acordado pelos policiais, Vermelho disse – sarcasticamente – que estava esperando por eles. A equipe quis saber como ele tinha a informação, ao que  Delgatti informou ter recebido o mandado escaneado com dois dias de antecedência. Vermelho afirmou ser uma “pessoa influente”, ter amigos na promotoria, no Fórum e entre policiais, e se gabou por “conhecer bem” uma juíza da cidade. Mostrou aos policiais uma ordem contra seu irmão que havia recebido de “fonte sigilosa”.

“Investidor” com conta na Suíça e furto de cartão

Nesse mesmo dia do mandado de busca e apreensão, ainda no apartamento, Vermelho disse aos policiais que era um “investidor” e tinha conta em um banco da Suíça, por isso viajava muito à Europa. Questionado sobre seu trabalho e a origem de seu dinheiro, ele não disse nada e alegou que o apartamento era alugado por um ex-sócio seu. O imóvel estava mobiliado com artigos que Vermelho comprara com um cartão de crédito furtado de um escritório de advocacia, tudo foi apreendido pela polícia.

Remédios controlados e receitas falsas

Ainda no cumprimento do mandado, policiais encontraram uma cesta de vime cheia de medicamentos controlados, como Valium e Bromazepam, um calhamaço de papel azul semelhante ao de receitas médicas, receitas em nome de outras pessoas, carimbos, guilhotina, impressora e scanner. Suspeito de falsificar receitas para comprar medicamentos em farmácias e revendê-los, ele foi preso em flagrante e responde a processo por tráfico de drogas. Pessoas próximas também relataram que ele vivia de falsificar ingressos de show e festas.

Carteirinhas falsas

Na mesma ocasião, os policiais encontraram entre os documentos de Vermelho uma carteirinha falsa de estudante de medicina da USP. Preso, ele insistia em dizer que estudava para ser médico e chegou a demonstrar conhecimentos sobre anatomia. Depois que a polícia apurou com a USP que ele nunca fora estudante da universidade, Vermelho admitiu usar a carteirinha para “pegar a mulherada” e pagar meia-entrada em atividades culturais. Outra de suas prisões, feita em Santa Catarina, ocorreu porque ele se apresentou dentro do Parque Beto Carrero como delegado da Polícia Civil de São Paulo, ostentando também uma carteira falsa de capa vermelha. Acabou preso depois que os seguranças do parque desconfiaram e ligaram para a polícia paulista.

A arma de air soft

No mesmo mandado de busca, os policiais buscaram uma pistola, possivelmente 9mm, que aparecia com Delgatti em fotos no Facebook, mas não a encontraram. Ele disse que só tinha uma arma de air soft, mas que falava a todos que era de verdade porque tinha medo de ser assaltado por causa de seus carros de luxo. Vermelho afirmou, no entanto, que sabia atirar com armas de verdade e participava de um clube de tiro em São Paulo “com um amigo”, filho deputado estadual Coronel Telhada. O deputado e o filho dele, o capitão da PM Rafael Telhada, dizem não conhecer Vermelho.

Enganada por “Daniel”

Em junho de 2019, já morando em Ribeirão Preto, onde foi preso, Walter Delgatti Neto conheceu uma mulher de Araraquara pelas redes sociais e foi até a cidade para encontrá-la. Apresentando-se como “Daniel”, ele a buscou na casa dela em seu Land Rover branco e a levou para passear pela cidade. Os dois tiveram relação sexual dentro do carro, estacionado perto do Teatro Municipal de Araraquara, e depois, em meio à sequência do passeio, segundo a mulher, ele ficou nervoso ao ver uma viatura da polícia e a obrigou a sair do carro abruptamente, com o veículo ainda em movimento. Pessoas que a encontraram chamaram uma ambulância e ela foi levada a uma Unidade de Pronto Atendimento. Quando foi à polícia para registrar a ocorrência, ela mostrou a foto do WhatsApp de “Daniel” e foi informada de que ele era, na verdade, Delgatti, “pessoa conhecida nos meios policiais e procurado pela Justiça”, como diz o registro.

Golpe no aeroporto

Uma fonte que conhece em detalhes a ficha corrida de Delgatti Neto informa que, entre os muitos golpes aplicados por ele, um deles consistia em ir a aeroportos movimentados e acessar a rede wi-fi com pouca proteção, esperando que outras pessoas também entrassem na mesma rede e usassem aplicativos de bancos, fornecendo senhas. De acordo com tal relato, ele invadia a conta dos alvos e desviava pequenos valores a uma conta dele, para não chamar a atenção.

Golpe da mobília

Usando uma identidade falsa, “Vermelho” alugou em abril de 2014 um flat em Moema, na Zona Sul de São Paulo. Com o nome de André, assinou um contrato de seis meses e conseguiu liberar o serviço de gás, a instalação de uma linha telefônica residencial e passou a receber encomendas. A quantidade e o volume dos pacotes que chegavam ao endereço, como cinco caixas de computadores da Apple, chamava a atenção dos funcionários do prédio, que, só depois que o golpe foi descoberto, relataram à Polícia Civil estranhar a quantidade de dinheiro vivo que ficava no apartamento ou o grande número de Rolex que Delgatti deixava à vista.

Nunca houve atraso no pagamento de aluguel, mas mesmo erra aparente normalidade era fruto de um golpe — o dinheiro era desviado de contas inativas, segundo consta no inquérito policial. Em agosto de 2014, “Vermelho” informou à administração do prédio que receberia um caminhão para recolher uma doação de roupas. Pura lorota. De acordo com o boletim de ocorrência registrado na ocasião, Delgatti estava tentando levar os móveis que equipavam o flat, incluindo uma geladeira e uma TV de 50 polegadas. Após aviso da gerente do condomínio, a Polícia Militar chegou e Delgatti conseguiu escapar. Dentro do imóvel, os policiais encontraram documentos que mostravam a falsificação de identidade e a capa de um colete à prova de balas.

Fonte: https://veja.abril.com.br/brasil/amigo-de-juizes-e-investidor-na-suica-as-maracutaias-de-vermelho/